Lançado em 1975, arrasta a honra
de ser o único filme espanhol a estrear sem a pertinente autorização dos
censores da ditadura franquista. E não só por isto “Furtivos” é considerado um
clássico. A história narra a tragedia de Ángel (Ovidi Montllor), um caçador ilegal
que vive em uma floresta com sua mãe Martina (Lola Gaos), uma figura controversa
e super- protetora. De tempos em tempos recebem a visita do governador civil Santiago
(José Luis Borau), filho de leite de Martina, fã de caça, e que esconde as atividades
ilegais da mãe e do filho. Em
uma de suas raras viagens à cidade, Ángel altera a vida de todos quando conhece
Milagros (Alicia Sánchez), fugida de um reformatório para meninas e amante de um
famoso delinquente local a quem chamam “El Cuqui” (Felipe Solano). Ele a
protege e a leva a sua casa, onde a hostilidade da mãe pela recém-chegada, assim
como a atração que seu filho sente pela jovem e, sobretudo, o ambiente
claustrofóbico que gravita nas relações entre os personagens, desembocarão em um
autêntico drama. Uma cruel fábula que combina de uma maneira totalizadora ingredientes
tão díspares - instintos não domesticados, individualismo latente, crueldade vertiginosa,
inocencia primitiva e contexto social estratificado e preconceituoso.
É improvável que algum outro diretor exceto José Luis Borau lutasse tanto
contra a censura para defender seu filme, “Furtivos”, como ele. Produtor,
co-roteirista, diretor e ator, Borau queria fazer um filme que silenciasse as
reprovações que muitas vezes eram feitas por sua admiração pelo cinema
americano. Com
Manuel Gutiérrez Aragón como co-roteirista, ele filmou essa dura e cruel fábula
que os censores queriam massacrar exigindo 40 cortes. Sua
tenacidade, a aclamação da crítica e seleção para competir no Festival de San
Sebastian salvou um filme que ganhou inúmeros prêmios e que foi visto por
quatro milhões de espectadores.
É bem sabido que José Luis Borau é um diretor fora do padrão, um
franco-atirador como o chamavam. Neste seu quarto
longa-metragem determinou-se a fazer em completa liberdade exatamente o filme
que queria e lutou furiosamente contra a censura. “Furtivos”
foi transformado por tudo isso em um símbolo de liberdade de expressão naquela
agitada Espanha de 1975, quando Franco estava morrendo.
O projeto era antigo, como o próprio Borau disse: "Eu sempre quis fazer
um filme de pessoas escondidas, de pessoas que evitam expressar sua
sensibilidade, sua forma de pensar, suas idéias mais íntimas e também seus
prazeres, que vivem presas entre folhagens...". No filme, a floresta é personagem principal. "Oficialmente
existe uma floresta pacífica, parte
de uma paisagem rural castelhana mitificada, mas por trás os animais e os
homens estão rodeados por sangue, crueldade e violência. A idéia da floresta
responde a este atavismo histórico, que tende a identificar o ideal da Espanha
com a floresta continuada... aquela floresta é
um símbolo do nosso país e do nosso modo de vida". Também a relação entre
os personagens principais, Ángel e Martina, tem sido interpretada como uma
metáfora direta para a relação entre a população espanhola e o regime de
Franco. Na
época, a família era freqüentemente apresentada como um microcosmo da própria
situação da nação. Esse
tipo de leitura foi encorajada pelo próprio diretor, que disse aos críticos que
também se inspirara em uma versão feminina da figura mitológica de Saturno
devorando seus filhos, criada pelo cineasta espanhol Luis Buñuel. Além disso, a
presença na trama de tal figura de autoridade chamada “governador”, com seu
acesso privilegiado a locais de caça restritos, abriu a porta para uma
associação direta entre o que os espectadores estavam assistindo na tela e as
desigualdades que caracterizavam o regime de Franco.
A censura entendeu as intenções do filme e decidiu que quarenta planos
deveriam ser suprimidos. Borau disse, "eu não estava disposto a fazer nada
parecido". Como
uma medida de pressão para salvar seu filme, Borau tentou apresentá-lo em um
festival internacional (mesmo carregando uma cópia debaixo de seu braço em
Paris), e o mostrou aos críticos que iniciaram uma campanha de protesto em seu
favor. Um
bom exemplo foi a crítica de Jaume Picas: "Vamos falar sobre este
extraordinário filme espanhol. Borau fez um belo, direto e brutal filme. Posso
dizer que Borau é um dos poucos diretores autênticos de cinema que existe na
Espanha e em suas obras não há erros ou vacilações, não devem ser retocadas".
Selecionado pelo Festival de San Sebastian, o filme finalmente foi liberado pelos censores mas com pelo menos cortes em dois níveis: a fachada do Governo Civil de Segovia e breve nudez feminina. Em San Sebastián, o sucesso foi total, recebendo a Concha de Ouro de Melhor Filme: Os problemas continuaram quando A Sociedade Protetora dos Animais denunciou Borau por sacrificar espécimes durante as filmagens. O diretor recebeu ameaças anônimas, enquanto seus denunciadores foram até o Festival de Chicago para protestar contra o prêmio que havia recebido lá. Meses depois, “Furtivos” foi o candidato espanhol ao Oscar, e apesar de não ter sido finalista, o New York Post o considerou um dos dez melhores filmes de 1978 lançados nos Estados Unidos. Na Espanha, tornou-se um sucesso em massa, perto de quatro milhões de espectadores.
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