sábado, 15 de setembro de 2018

Furtivos (1975)



Lançado em 1975, arrasta a honra de ser o único filme espanhol a estrear sem a pertinente autorização dos censores da ditadura franquista. E não só por isto “Furtivos” é considerado um clássico. A história narra a tragedia de Ángel (Ovidi Montllor), um caçador ilegal que vive em uma floresta com sua mãe Martina (Lola Gaos), uma figura controversa e super- protetora. De tempos em tempos recebem a visita do governador civil Santiago (José Luis Borau), filho de leite de Martina, fã de caça, e que esconde as atividades ilegais da mãe e do filho. Em uma de suas raras viagens à cidade, Ángel altera a vida de todos quando conhece Milagros (Alicia Sánchez), fugida de um reformatório para meninas e amante de um famoso delinquente local a quem chamam “El Cuqui” (Felipe Solano). Ele a protege e a leva a sua casa, onde a hostilidade da mãe pela recém-chegada, assim como a atração que seu filho sente pela jovem e, sobretudo, o ambiente claustrofóbico que gravita nas relações entre os personagens, desembocarão em um autêntico drama. Uma cruel fábula que combina de uma maneira totalizadora ingredientes tão díspares - instintos não domesticados, individualismo latente, crueldade vertiginosa, inocencia primitiva e contexto social estratificado e preconceituoso.





É improvável que algum outro diretor exceto José Luis Borau lutasse tanto contra a censura para defender seu filme, “Furtivos”, como ele. Produtor, co-roteirista, diretor e ator, Borau queria fazer um filme que silenciasse as reprovações que muitas vezes eram feitas por sua admiração pelo cinema americano. Com Manuel Gutiérrez Aragón como co-roteirista, ele filmou essa dura e cruel fábula que os censores queriam massacrar exigindo 40 cortes. Sua tenacidade, a aclamação da crítica e seleção para competir no Festival de San Sebastian salvou um filme que ganhou inúmeros prêmios e que foi visto por quatro milhões de espectadores.

É bem sabido que José Luis Borau é um diretor fora do padrão, um franco-atirador como o chamavam. Neste seu quarto longa-metragem determinou-se a fazer em completa liberdade exatamente o filme que queria e lutou furiosamente contra a censura. “Furtivos” foi transformado por tudo isso em um símbolo de liberdade de expressão naquela agitada Espanha de 1975, quando Franco estava morrendo.






O projeto era antigo, como o próprio Borau disse: "Eu sempre quis fazer um filme de pessoas escondidas, de pessoas que evitam expressar sua sensibilidade, sua forma de pensar, suas idéias mais íntimas e também seus prazeres, que vivem presas entre folhagens...".  No filme, a floresta é personagem principal. "Oficialmente existe uma floresta pacífica, parte de uma paisagem rural castelhana mitificada, mas por trás os animais e os homens estão rodeados por sangue, crueldade e violência. A idéia da floresta responde a este atavismo histórico, que tende a identificar o ideal da Espanha com a floresta continuada... aquela floresta é um símbolo do nosso país e do nosso modo de vida". Também a relação entre os personagens principais, Ángel e Martina, tem sido interpretada como uma metáfora direta para a relação entre a população espanhola e o regime de Franco. Na época, a família era freqüentemente apresentada como um microcosmo da própria situação da nação. Esse tipo de leitura foi encorajada pelo próprio diretor, que disse aos críticos que também se inspirara em uma versão feminina da figura mitológica de Saturno devorando seus filhos, criada pelo cineasta espanhol Luis Buñuel. Além disso, a presença na trama de tal figura de autoridade chamada “governador”, com seu acesso privilegiado a locais de caça restritos, abriu a porta para uma associação direta entre o que os espectadores estavam assistindo na tela e as desigualdades que caracterizavam o regime de Franco.

A censura entendeu as intenções do filme e decidiu que quarenta planos deveriam ser suprimidos. Borau disse, "eu não estava disposto a fazer nada parecido". Como uma medida de pressão para salvar seu filme, Borau tentou apresentá-lo em um festival internacional (mesmo carregando uma cópia debaixo de seu braço em Paris), e o mostrou aos críticos que iniciaram uma campanha de protesto em seu favor. Um bom exemplo foi a crítica de Jaume Picas: "Vamos falar sobre este extraordinário filme espanhol. Borau fez um belo, direto e brutal filme. Posso dizer que Borau é um dos poucos diretores autênticos de cinema que existe na Espanha e em suas obras não há erros ou vacilações, não devem ser retocadas".


Selecionado pelo Festival de San Sebastian, o filme finalmente foi liberado pelos censores mas com pelo menos cortes em dois níveis: a fachada do Governo Civil de Segovia e breve nudez feminina. Em San Sebastián, o sucesso foi total, recebendo a Concha de Ouro de Melhor Filme: Os problemas continuaram quando A Sociedade Protetora dos Animais denunciou Borau por sacrificar espécimes durante as filmagens. O diretor recebeu ameaças anônimas, enquanto seus denunciadores foram até o Festival de Chicago para protestar contra o prêmio que havia recebido lá. Meses depois, “Furtivos” foi o candidato espanhol ao Oscar, e apesar de não ter sido finalista, o New York Post o considerou um dos dez melhores filmes de 1978 lançados nos Estados Unidos. Na Espanha, tornou-se um sucesso em massa, perto de quatro milhões de espectadores.



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